Lucerna

Angela María Barrera 

Uma história sobre como os sonhos se tornam realidade

Sou doutoranda na Universidade de Coimbra, com uma bolsa Marie Curie. Às vezes penso nisso e não consigo acreditar. Ó meu Deus! Eu sou estudante de doutoramento na Europa. Há muitos anos, quando era criança, era um dos meus sonhos: tornar-me cientista e estudar noutro país. Não tinha a certeza se algum dia o conseguiria.  

Nasci na Colômbia, em Susacón - Boyacá. Susacón é uma cidade muito pequena, que se dedica essencialmente à agricultura e onde o acesso a um nível de ensino superior não é fácil, devido ao custo implicado na mudança para uma nova cidade e no acesso à universidade. Mesmo tendo crescido numa família grande (sou a segunda de seis filhos), os meus pais sempre se esforçaram ao máximo para nos dar o necessário. Podem imaginar como foi difícil para eles. Vivi num ambiente em que tentávamos sempre fazer o melhor, usando o estritamente necessário e outras habilidades de organização e planeamento para manter tudo a funcionar para todos.

Sempre sonhei em ser uma grande cientista e em viajar pelo mundo. Isso motivou-me a começar a trabalhar. A maior mudança começou em 2008, quando os meus pais decidiram transferir-me de escola para terminar o ensino médio numa escola maior, com uma melhor classificação académica em comparação com a menor da minha cidade. Foi uma grande mudança, porque tinha 15 anos e tive de me mudar para outra cidade, deixando os meus pais e os meus irmãos pequenos. Foi muito difícil no começo. Tive de me adaptar a uma cidade nova e maior, a novos colegas de turma e a novos professores, mas posso dizer que valeu totalmente a pena. Graças a isso, pude ingressar numa universidade pública, o que me deu a oportunidade de começar a minha vida nas ciências.

Matriculei-me num programa de bacharelato em Biologia. Durante o período em que estudei, percebi que aquilo era exatamente o que sempre quis e sonhei. Um dia, apresentei, na Universidade, um trabalho meu numa conferência. Essa conferência mudou a minha vida, pois foi aí que encontrei uma das pessoas mais maravilhosas e a maior cientista que conheço: a Doutora Patricia Cardona. Ela apresentou o seu trabalho, sobre edição de genes para tratar a doença de Alzheimer. Fiquei completamente fascinada. Naquele dia, senti que também queria fazer algo assim. Decidi procurar o e-mail dela e entrar em contato para perguntar se seria possível fazer a minha tese de bacharel no seu laboratório. Felizmente, ela disse que sim! Foi uma oportunidade muito boa, mas também um grande desafio para mim.

Os meus pais e a minha família ajudaram-me sempre, mas fazer a tese de bacharel significava mudar-me para Medellín, a vinte horas de carro da minha cidade natal. Também significava gastar mais dinheiro para pagar uma renda e sobreviver numa cidade maior, que era realmente muito mais cara. Seria um encargo muito grande para a minha família e eu não lhes poderia fazer isso, mas tal não era uma limitação. Sempre me habituei a trabalhar para ajudar os meus pais com todas as despesas, por isso costumava ser empregada de mesa, vender bilhetes para espetáculos ou cuidar de crianças. Aceitei a proposta e decidi ir para Medellín. Consegui um trabalho antes para poupar dinheiro para a minha viagem até lá, pagar o primeiro mês de renda e sobreviver algumas semanas, até encontrar um novo emprego.

Cheguei a Medellín em 2015. Fiquei apaixonada pela cidade, pela Universidade, pelo laboratório e pelo trabalho, devido a todas as coisas novas que pude aprender. No entanto, o problema com o dinheiro ainda exista: como iria sobreviver naquela cidade? Felizmente, um dia tive de explicar uma das técnicas do laboratório a uma aluna de doutoramento e tive uma relação muito boa com ela. Contei-lhe que precisava de encontrar um emprego para poder continuar a estudar em Medellín e ela disse-me que a sua tia tinha um pequeno restaurante e estava a tentar encontrar alguém para ajudá-la. Eu respondi-lhe que poderia fazê-lo e desde aquele dia comecei a trabalhar no restaurante, à noite.

Com isso, consegui o dinheiro para morar em Medellín. Gostei muito de trabalhar no restaurante, apesar de ser difícil trabalhar na minha tese, ter aulas e continuar a trabalhar no restaurante até tarde. Também encontrei um emprego para os fins de semana, a dar aulas de Biologia para preparar os alunos do último ano do ensino médio para o exame nacional: outra ótima experiência! Com os meus dois empregos, fui capaz de cobrir as minhas despesas e continuar a construir os meus sonhos. Depois de terminar o bacharelato, quis continuar em Medellín e não poderia ter tido mais sorte, porque o meu supervisor ofereceu-me uma bolsa para fazer o mestrado.

O tempo passou tão rápido em Medellín. Estive lá pouco mais de três anos e posso dizer que foi uma das melhores experiências da minha vida, conheci pessoas maravilhosas e comecei a construir a minha carreira científica. Durante o mestrado, consegui uma bolsa para ir à Holanda, para um programa de pesquisa de verão, de cinco semanas, na Universidade de Groningen. Pela primeira vez, estava fora do meu país e fiquei totalmente fascinada com a Europa, com a sua cultura e o seu estilo académico. Voltei à Colômbia convencida de que voltaria à Europa e tentaria o meu melhor para encontrar um doutoramento do outro lado do oceano. Decidi candidatar-me a uma vaga de doutoramento no exterior com um projeto do qual realmente gostasse. E, um dia, chegou a resposta. Recebi um e-mail a informar que tinha sido selecionada. Não podia acreditar: tinha sido selecionada para fazer um doutoramento e ia para a Europa.

Agora, já passaram nove meses desde que estou aqui, e é exatamente como eu esperava que fosse: um furacão de mudanças. Primeiro, uma nova cidade num país diferente traz mais do que podem imaginar, desde aprender como funcionam os transportes públicos até como funcionam os supermercados. Porque sim, na Colômbia é diferente. O clima é, realmente, a parte mais difícil para mim até agora, porque é muito frio e ventoso e nunca senti algo assim na minha vida. Depois, um novo laboratório, novas pessoas, novas técnicas, aprender como funciona e onde está tudo. Sinto falta da minha família, dos meus amigos e da minha vida profissional, mas aqui fico sempre impressionada com tudo.

Felizmente, o idioma não é tão difícil quanto esperava. Sei que com aulas de gramática e conversação poderei estar a falar português no final do meu doutoramento, mais um ponto extra com o qual não contava. No geral, a experiência tem sido incrível. As pessoas que conheci aqui são muito gentis e isso é importante, porque, assim, estar a mais de 7000 quilómetros de casa é mais fácil.

Às vezes, penso em como a minha vida tem sido. E fico tão feliz quando percebo que a maioria dos meus sonhos de infância se estão a tornar realidade. Estou na Europa, a seguir os meus sonhos, a desenvolver a minha carreira e a fazer o doutoramento. Não poderia estar aqui sem o apoio da minha família, sem todas as pessoas que acreditaram em mim, que continuam a inspirar-me, que me apoiaram em todas as lutas pelas quais passei. Depois de tudo isto, estou totalmente convencida de que tudo no mundo é possível, não há impossibilidades quando temos fé, quando continuamos a sonhar e a trabalhar para conseguir o que desejamos.

Nota: Texto traduzido e adaptado do original em inglês. 


Angela María Barrera

Angela María Barrera é doutoranda da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

Ilustração por Ana Catarina Lopes