Era uma vez uma menina que queria ser gestora hoteleira. Certo dia, uma professora do ensino secundário incentivou-a a participar numa Escola de Verão de Química, e nesse dia tudo mudou. Quando me pediram que identificasse um momento que tivesse sido determinante na definição do meu percurso académico, tentei recuar muitos anos no tempo, até àquela conversa, àquela decisão, àquela pessoa que me tivesse inspirado... E, na verdade, este foi apenas o primeiro momento de um conjunto de circunstâncias e oportunidades que tive ao longo dos anos, muitas delas completamente inesperadas, mas que acabaram por moldar a minha curiosidade e paixão pela investigação biomédica.
Mas se este foi o sonho de umas férias de Verão, a realidade da vida no laboratório, no g(u)ic (group of ubiquitin-dependent proteolysis and intercelular communication), foi ainda melhor. De facto, foi ao “serviço” do g(u)ic que fui ao meu primeiro congresso Europeu de Cardiologia, em 2013. E este foi O momento marcante, não só pela espectacularidade do evento que envolve milhares de pessoas, mas pela dimensão e variedade dos conteúdos abordados, desde a ciência muito fundamental que grupos como o nosso desenvolvem, aos mais recentes ensaios clínicos e avanços da cardiologia.
Foi ali que me cruzei com as pessoas por detrás dos nomes que lemos nos artigos e que nunca pensei poder ter o privilégio de conhecer. Apresentar o nosso trabalho no maior palco da cardiologia da Europa fez-me sentir tão pequenina quanto inspirada a fazer cada vez mais e melhor. Porque aquilo que fazemos todos os dias, entre proteínas e pipetas, pode estar muito longe da sua possível aplicação clínica. No entanto, são eventos como este que nos fazem recordar que ainda há tão pouco tempo, descobertas assentes em técnicas de biologia celular e molecular muito básicas, como o mecanismo da endocitose do receptor do colesterol são, nos dias de hoje, a base da terapêutica em doentes de alto risco cardiovascular.
Depois da gestão hoteleira, houve um momento na minha vida em que quis ser médica. O destino ou o acaso levaram-me à bioquímica e hoje tenho a certeza que o meu lugar é aqui. E devo essa certeza, mais do que a momentos como este, sobretudo às pessoas, aos investigadores e médicos brilhantes, aos Mestres e Doutores com quem tive o privilégio de privar nos últimos anos, que inspiraram e guiaram verdadeiramente o meu trajecto.
Tânia Martins Marques é doutoranda da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
Ilustração por Ana Catarina Lopes