Anozero
Bienal de Arte Contemporânea
de Coimbra

Fora da Medicina

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Anozero – Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra é uma iniciativa proposta em 2015 pelo Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, organizada em conjunto com a Câmara Municipal de Coimbra e a Universidade de Coimbra, que assume como objetivo primordial promover uma reflexão quanto à circunstância da classificação da Universidade de Coimbra, Alta e Sofia como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO. Surgindo como tentativa de compreensão do significado simbólico e efetivo desta nova realidade da cidade – ser detentora de Património Mundial – a bienal propõe um confronto entre arte contemporânea e património, explorando os riscos e as múltiplas possibilidades associadas a este património cultural que agora é da Humanidade.

O Anozero é, portanto, um programa de ação para a cidade que, através de um questionamento sistemático sobre o território em que se inscreve, poderá contribuir para a construção de uma época cultural atuante e transformadora, em Coimbra e na Região Centro.
Ano Zero
A história da cidade de Coimbra e do seu património é marcada pela convivência com as águas do Rio Mondego, que, ao longo dos séculos, teimosamente alagou as suas margens. O ritmo natural dos seus subimentos obrigou a uma permanente adaptação no modo de estar rio abaixo, rio afora, rio adentro, numa constante reposição e atualização do que aparentemente não se pode mudar. Como assentar num local sistematicamente invadido por tamanha força?

Situado na margem esquerda do Mondego, o convento dedicado a Santa Clara, fundadora do ramo feminino na ordem franciscana, e custeado por Isabel de Aragão, Rainha de Portugal, no início do século XIV, sofreu constantes alteamentos do seu piso térreo até que um andar superior teve de ser construído. Mas a insistência das águas de longas beiras obrigou as Clarissas ali reclusas a abandonar o antigo convento e a encontrar refúgio no Monte da Esperança, onde se situa hoje, e desde o século XVII, o Convento de Santa Clara-a-Nova.

Ano Zero
O encontro com o pondo perpétuo do rio acontece, de maneira reversa, no conto A Terceira Margem do Rio, de João Guimarães Rosa (1962). A decisão individual do protagonista não é contornar a natureza, mas ir solitariamente enfrentá-la para cursar o rio numa canoa feita especialmente para si, como para caber justo o remador. Essa atitude de autorreclusão a céu aberto, gesto radical de ocupação irreversível que define o território da terceira margem, provoca os elementos da família, que observam, reagem ou narram a estranheza da verdade de acordo com as suas expectativas e papéis.

Cinco frases retiradas do conto servem como eixo conceitual para possíveis desdobramentos desta bienal. Elas sugerem, de entre outros, silêncio — nosso pai nada não dizia; passagem — longe, no não-encontrável; marginalidade — passadores, moradores de beira; invenção — executava a invenção; e, por fim, militância — chega que um propósito. Estas cinco frases-tema serão interpretadas por meio de uma pluralidade de vozes: na curadoria tripartida, orientam a exposição; pelos autores, estruturam o catálogo; e servem de ponto de partida para o programa de ativação em desenvolvimento pelos alunos do Mestrado em Curadoria do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra.

Além do Convento de Santa Clara-a-Nova, a exposição A Terceira Margem espraia-se pelas ruas do centro da cidade (ocupando nomeadamente o Edifício Chiado e a Sala da Cidade), pela Universidade de Coimbra (Museu da Ciência — Laboratorio Chimico, Museu da Ciência — Galeria da Historia Natural e Colégio das Artes), e pelos espaços do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (Sede e Sereia, o último com curadoria paralela de Tomás Cunha Ferreira). Os 39 artistas participantes são Alexandra Pirici, Ana María Montenegro, Ana Vaz, Anna Boghiguian, António Olaio, Belén Uriel, Bouchra Khalili, Bruno Zhu, Cadu, Daniel Senise, Daniel V. Melim, David Claerbout, Erika Verzutti, Eugénia Mussa, Joanna Piotrowska, João Gabriel, João Maria Gusmão e Pedro Paiva, José Bechara, José Spaniol, Julius von Bismarck, Laura Vinci, Luis Felipe Ortega, Luís Lázaro Matos, Lynn Hershman Leeson, Magdalena Jitrik, Maria Condado, Mariana Caló e Francisco Queimadela, Marilá Dardot, Mattia Denisse, Maya Watanabe, Meriç Algün, Przemek Pyszczek, Renato Ferrão, Rita Ferreira, Steve McQueen, Susan Hiller e Tomás Cunha Ferreira.

O Anozero – Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra tem, para a sua terceira edição, curadoria-geral de Agnaldo Farias e curadoria-adjunta de Lígia Afonso e Nuno de Brito Rocha.


Anozero, Novembro de 2019 

Fotografias por Jorge das Neves