Sobre o estudo
A endometriose é uma doença benigna caraterizada pela presença, fora do útero, de células provenientes do endométrio, que constitui uma membrana que reveste internamente o útero. Esta doença atinge principalmente mulheres em idade fértil e a sua localização mais comum é a escavação pélvica. O crescimento dos implantes e a hemorragia, associada aos ciclos menstruais, provocam inflamação e fibrose, podendo originar dor pélvica durante a menstruação e atividade sexual, e, em alguns casos, levar à infertilidade.
Não se sabe qual a prevalência exata, mas calcula-se que atinja 5 a 10% da população feminina, podendo provocar infertilidade em 20 a 50% das mulheres afetadas.
A endometriose infiltrativa profunda é a forma mais agressiva de endometriose e pode envolver, entre outras estruturas, a bexiga e os ureteres. Assim, apesar de ser uma doença benigna, e endometriose pode levar a complicações sérias no aparelho urinário, implicando, em alguns casos, múltiplas cirurgias e a perda total da função renal.
O diagnóstico de endometriose do aparelho urinário constitui um desafio clínico. Quando presentes, os sintomas desta doença são frequentemente inespecíficos e podem confundir-se com outras condições tais como infecções urinárias, o que justifica, muitas vezes, um diagnóstico pouco preciso e/ou tardio. Os atrasos no diagnóstico, devido à semelhança de sintomas com outras doenças, são especialmente graves quando o ureter está envolvido, devido ao risco de hidronefrose (dilatação renal) e perda da função renal.
O objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência e gravidade do envolvimento do aparelho urinário pela endometriose infiltrativa profunda e estudar o seu tratamento cirúrgico, bem como os fatores preditores para a necessidade de grandes cirurgias.
Resultados e impacto
Avaliou-se retrospetivamente uma série de 656 mulheres submetidas a cirurgia por endometriose, 4,3% das quais por endometriose infiltrativa profunda envolvendo o aparelho urinário. As intervenções variaram desde cirurgias minimamente agressivas incluindo colocação de cateteres, até abordagens mais complexas, incluindo cirurgia aberta ou cirurgia minimamente invasiva (laparoscopia).
Estudaram-se os sintomas iniciais, os métodos de diagnóstico, os locais e tamanho das lesões, a presença de hidronefrose e perda de função renal e os tipos de cirurgias realizadas. Os resultados analisados mostram que os endometriomas afetavam o ureter em 46,4% dos casos, a bexiga em 39,3% e ambas as estruturas em 14,3% dos casos. No total, 2,6% tinham envolvimento do ureter, um valor significativamente mais elevado do que o descrito na literatura (0,1 a 0,4%).
Cerca de 40% das mulheres foram submetidas a mais de uma cirurgia, variando entre uma e seis (média de 1,8 cirurgias por mulher). As cirurgias major mais comuns foram a excisão de segmentos de ureter. O envolvimento do ureter associou-se a maior probabilidade de cirurgia major e de perda de função renal.
Em conclusão, a endometriose infiltrativa profunda envolvendo o aparelho urinário tem manifestações clínicas variáveis, associando-se a necessidade de cirurgia major num número importante de casos. No global, a cirurgia revelou-se eficaz na maioria dos casos. O envolvimento do ureter revelou-se nesta série mais comum do que o descrito, devendo-se ter um elevado grau de suspeição para a sua deteção dado o maior potencial de gravidade, incluindo maior risco de cirurgia major e de perda da função renal.
Arnaldo Figueiredo
Urology