4'33''

Duarte Nuno Vieira

VOICEmed
Nasceu numa sexta-feira 13. É supersticioso?
Não sou supersticioso. O número 13 sempre me deu sorte e sempre gostei dele. No liceu fui várias vezes o 13 da turma, e esses anos foram os melhores do ponto de vista académico. Até me casei no dia 13, por causa das coisas! Só não foi a uma sexta-feira porque não é hábito num dia de semana.


Pensou ser arquiteto, mas o curso não existia na Universidade de Coimbra em 1977.
Hesitei muito. Não tinha propriamente uma vocação forte por medicina. A minha vocação primordial era arquitetura, mas queria estudar em Coimbra. Ponderei ir para Engenharia Civil, que não me enchia as medidas, e acabei por decidir-me por Medicina, que também me agradava. Ainda hoje gostava de tirar arquitetura, se tivesse tempo.


O que o levou a optar pela Medicina Legal?
Não comecei por fazer Medicina Legal. Nunca fiz o teste de acesso à especialidade. No meu tempo, os assistentes de carreira das cadeiras básicas podiam escolher a especialidade que quisessem… Tinham, aliás, direito a uma vaga supranumerária. Eu era assistente de Bioestatística, o que não era de admirar porque os meus pais eram ambos professores de matemática, e podia escolher a especialidade que quisesse. Comecei por optar pela Obstetrícia, mas, entretanto, abriu um curso de pós-graduação que estava fechado há cerca de dez anos, o curso superior de Medicina Legal. Encontrei dois colegas na Praça da República, que se iam inscrever, e, como tinha tempo livre, resolvi ir com eles e inscrever-me também.

Quando cheguei ao final, o professor Oliveira Sá chamou-me ao gabinete, e disse: "Gostei de si e penso que gosta de Medicina Legal. Não tenho sucessor e gostava que se dedicasse a esta área. Podia vir para meu assistente, mudando da Bioestatística para aqui". Pensei um pouco e mudei. Ainda hoje a minha mãe me olha de lado por causa disso, nunca aceitou muito bem. Mudar para Medicina Legal, que na altura nem era especialidade, não era bem visto… Achei, todavia, que esta era uma área na qual poderia fazer mais do que noutras. Havia muito por fazer. Na Obstetrícia, se calhar, iria ser apenas mais um, mas a Medicina Legal, à data, nem era especialidade reconhecida pela Ordem dos Médicos. Havia muito pouco, para não dizer que não havia nada: não existiam sequer serviços médico-legais cobrindo o país. Havia três institutos que trabalhavam de costas voltadas. E pensei: "Aqui posso fazer mais e deixar um contributo relevante". Era uma área que estava a precisar e onde poderia fazer obra.

Quando deixei o Instituto [Nacional de Medicina Legal] em 2013, estava ao nível do melhor do que se faz no mundo. Organizei em Portugal todos os grandes eventos internacionais no campo da medicina legal e das ciências forenses. Tive o gosto de presidir às principais organizações da área, a dada altura até a três ao mesmo tempo.
fmuc
É, atualmente, diretor da faculdade, e, como já referiu, dirigiu/presidiu vários conselhos, institutos, academias, associações, alguns deles em simultâneo. Como é que concilia tudo isto?

Bem vistas as coisas, é tudo na mesma área, por isso não é um trabalho tão diferente quanto isso. Presidi, a certa altura, à Academia Internacional de Medicina Legal (AIML), à Associação Internacional de Ciência Forenses e à Associação Mundial de Médicos de Polícia. Uma tinha, na altura, sede na Alemanha, outra em Hong Kong e outra nos Estados Unidos. Obrigava a um esforço significativo e a permanentes deslocações.

Mas tive colaboradores dedicados. E se há coisa que sempre soube fazer foi delegar. Há gente que não gosta de delegar, mas eu não tenho qualquer problema com isso e quando delego, confio inteiramente nas pessoas. Por isso é que as escolhi e aceito perfeitamente as decisões que tomam. Quando fui eleito presidente da IAML, em Budapeste, em 1996, tinha quarenta e poucos anos e foi uma surpresa, porque as pessoas que concorriam contra mim eram grandes figuras internacionais. Normalmente, o presidente da academia era um lugar de pré-reforma, do qual se saía para a reforma. Ganhei, para surpresa minha, e depois convidei os outros dois concorrentes ao lugar para meus vice-presidentes. Representavam-me em muitas funções pelos diversos continentes.

E conciliar tudo isso com a vida pessoal e familiar?
A vida pessoal é inevitavelmente sacrificada, não vou dizer que não. A minha mulher poderá falar melhor do que eu sobre isso. Mas a família, embora queixando-se, de forma compreensível, acabou por entender que eram atividades relevantes e necessárias. E que estava a concretizar um trabalho que valia a pena. Na medida do possível, foi-se conciliando a vida profissional com a pessoal. Há quem esteja por cá mais e nem por isso seja um pai mais presente. Eu, apesar de tudo, fui acompanhando, de perto, mas reconheço que houve algum prejuízo do ponto de vista pessoal e familiar.

Valeu-me também uma vantagem, que é a de dormir muito pouco. Não é nada de que me gabe, gostava imenso de dormir mais, mas não consigo. Acordo muito cedo e as horas iniciais da manhã são muito úteis e profícuas. Rendem, por vezes, mais do que o resto do dia inteiro. Em contrapartida não aguento até tarde, à meia-noite desligo o interruptor. Na faculdade queixam-se que eu começo a mandar os 'e-mails' muito cedo.


O que ainda lhe falta fazer?
Arquitetura, por exemplo… Agora que já tenho uma neta, e espero vir a ter mais, gostava de lhe dedicar o tempo que não dediquei tanto às filhas enquanto cresciam. A minha neta trouxe-me uma alegria nova e muito especial...

Gosto muito do que faço a nível internacional. Obviamente que tenho de começar a abrandar, porque começo a ficar com mais idade e a pensar que se me der um AVC ou um enfarte em determinados países, corro grandes riscos de por lá ficar. Enquanto que se estiver aqui tenho substanciais probabilidades de sobreviver.

Mas aquilo a que penso dedicar-me nos tempos mais próximos é, desde logo, à universidade, a minha principal vocação, e depois o trabalho que faço para as Nações Unidas e para o Comité Internacional da Cruz Vermelha. Mas podem surgir sempre outros desafios.

Ana Carolina Marques e Paulo Sérgio Santos
LCS.FMUC | Laboratório de Comunicação em Saúde



Voltar à newsletter #0