As publicações científicas com que nos cruzamos ao longo do nosso percurso podem ter um grande impacto na nossa conduta, quer como médicos quer como investigadores. O artigo que selecionei foi publicado numa fase muito precoce da minha formação como reumatologista, tendo tido por isso um grande impacto na minha conduta profissional o qual se mantém até aos dias de hoje. Paralelamente, o facto de procurar responder a uma pergunta derivada da prática clínica, a qualidade e o rigor da metodologia científica utilizada e sua aplicabilidade no “mundo real”, despertou em mim o reconhecimento da necessidade e da validade da investigação clínica.
A Artrite Reumatoide é uma doença inflamatória, sistémica que se carateriza por inflamação das articulações causando incapacidade funcional e má qualidade de vida dos doentes. Apesar de diversos fármacos disponíveis para o seu tratamento, a maioria dos doentes não apresentavam um controlo adequado da doença.
Em 2004 é publicado no Lancet o resultado de um estudo que teve como objetivo avaliar, não um fármaco novo como habitual, mas uma estratégia de tratamento. O TICORA Study é um ensaio clínico, controlado, randomizado e cego, que comparou uma estratégia de tratamento intensivo focada na remissão da doença com a estratégia habitual. Este ensaio, que incluiu 111 doentes, concluiu que os doentes submetidos a uma estratégia de tratamento intensivo apresentaram melhor controlo da doença, com maior percentagem de doentes a atingirem a remissão (65% vs 16%, OR:9.7 [3.9-23.9], p<0.0001), associada a melhor capacidade funcional, qualidade de vida, menor progressão radiológica e redução de custos diretos e indiretos, sem aumento dos efeitos adversos.
Este estudo conduziu a uma mudança de paradigma no tratamento da artrite reumatoide, salientando a necessidade de uma abordagem terapêutica intensiva tendo como alvo a remissão (“Treat-to -Target Strategy”), constituindo a base das recomendações de tratamento da Artrite Reumatoide até aos dias de hoje.